Aconteceu o que todos mais temiam

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Há três meses, esta coluna entrevistou o analista gráfico - profissional que se baseia nos gráficos para projetar o que poderá ocorrer no futuro -, Márcio Noronha, da Link Investimentos, que estimava que o Índice Bovespa poderia cair até os 35 mil pontos nos próximos dois ou três anos. Alguns leitores escreveram para a coluna preocupados com a projeção, um deles, inclusive, bastante indignado. Esse tipo de reação fazia sentido, uma vez que o índice estava em 61 mil pontos. Pois bem, aconteceu o que todos mais temiam ou preferiam não acreditar que fosse possível. O Ibovespa fechou sexta-feira em queda de 3,97%, aos 35.609 pontos. A única diferença entre a previsão do analista e a vida real é que, o que ele esperava que ocorresse em três anos, aconteceu em três meses.
Naquela época, Noronha e outros grafistas ouvidos pela coluna diziam que os 58 mil pontos eram o nível mais importante do índice e que definiria o destino da bolsa. Segundo eles, se o Ibovespa caísse abaixo dessa pontuação, considerada um dos suportes mais importantes (ponto que o índice tem dificuldade de cair e que pode desencadear movimento de compra), poderia significar o fim de um longo período de alta que começou em outubro de 2002.
Agora que todas essas previsões mais pessimistas se concretizaram, o que o investidor que teve sangue-frio para se manter na bolsa pode esperar daqui para frente, ainda tomando por base os gráficos? Segundo a analista gráfica do banco Santander, Sílvia Afonso, o próximo suporte importante está nos 32 mil pontos, que é exatamente 62% de queda entre o ponto mínimo do Ibovespa, em outubro de 2002, e o seu último pico, em maio deste ano. Pelo método grafista, uma queda de 62% significa que o mercado está de fato num longo período de queda e não apenas numa simples correção.

Se cair abaixo dos 32 mil pontos, o próximo suporte do Ibovespa seria os 23.600 pontos, segundo Sílvia, e o seguinte, bem, é melhor nem cogitar. Apesar de não acreditar neste cenário catastrófico, Sílvia diz que é impossível afirmar aos investidores que o pior já passou por causa da irracionalidade que tomou conta do mercado nos últimos dias. "Num movimento irracional, tudo é possível acontecer, já que os fundamentos foram deixados para o segundo plano."
O próprio Márcio Noronha afirma que os indicadores técnicos e gráficos apontam que não há sinais de que a bolsa irá parar de cair. No entanto, assim como a analista do Santander, Noronha não acredita no caos. Para ele, o mercado está prestes a entrar num movimento de recuperação que deve ser rápido e intenso, assim como foi a queda. Noronha, no entanto, não recomenda investir agora em ações porque esse cenário de alta não está claro o suficiente para compensar o risco. "Nos meus 40 anos de mercado, nunca tinha visto uma crise tão feia, nem na crise de 1971 as perdas foram tão grandes em tão pouco tempo."

Abaixo do patrimônio
Com a sangria dos últimos dias, há muitas empresas sendo negociadas pelo valor patrimonial ou abaixo dele. Essa é uma situação esdrúxula, já que o patrimônio líquido dos balanços é mais um retrato do custo histórico dos ativos da empresa (menos os passivos), enquanto o valor de mercado (quantidade de ações multiplicada pelo preço do papel) é o que registra a expectativa de lucros futuros. A diferença entre os dois dá uma idéia do que seria o "intangível" da empresa, valores que não estão expressos no balanço, como marca, capacidade de gestão, estratégia e mão-de-obra especializada.
Na sexta-feira, só 56% dos 324 papéis negociados na Bovespa registravam preços acima de uma vez o seu valor patrimonial, comparado a 77% no começo do ano, segundo o editor Nelson Niero. Considerando ações valendo duas vezes o seu valor patrimonial, esse número cai para 18% ante 51% no começo do ano. Acima de dez vezes, há apenas 2% e em janeiro eram 11%. O valor de mercado da Sadia, abalada por uma perda com operações financeiras, está abaixo do seu patrimônio. A empresa não perdeu só com derivativos: ela perdeu prestígio e mais de R$ 3,4 bilhões de valor de mercado em duas semanas. Mas a crise é para todas, mesmo para aquelas que não estão envolvidas em perdas cambiais. Nomes tradicionais como a siderúrgica Usiminas e a têxtil Alpargatas valem menos que o patrimônio.