Crise faz um ano e horizonte é incerto

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

São Paulo, 11 de Agosto de 2008
Há um ano, os mercados financeiros mergulhavam em mais uma crise, a das hipotecas subprimes, tendo como epicentro o mercado americano de crédito imobiliário. Em agosto do ano passado, um ponto em comum permeava os discursos de analistas quando o tema era a longevidade do ajuste necessário para afastar os riscos envolvidos. Boa parte doa analistas considerava limitados os potenciais efeitos do fim da bolha imobiliária nos demais mercados. O ajuste, acreditavam, seria pontual. Os prejuízos bilionários dos bancos, a redução no crescimento global e a forte volatilidade das bolsas jogaram por terra esta idéia.
A exposição do setor financeiro às suprimes - hipotecas de segunda linha, concedidas a quem normalmente não poderia ter crédito - surpreendeu. "Eu mesmo achava que não duraria muito, mas o choque nos bancos começou devagar, foi crescendo e ainda não terminou", avalia Guilherme da Nóbrega, economista-chefe da Itaú Corretora. "As perdas estão próximas de US$ 500 bilhões e podem ser muito maiores."
O medo de que a bolha imobiliária estourasse já vinha tirando o sono de muita gente, mas foi em agosto que os fatos marcaram de vez a nova crise. O dia mais nervoso ocorreu em 16 de agosto, uma quinta-feira. A Bovespa chegou a cair quase 9%, fechando com recuo de 2,58%, o dólar subiu 4,43% e o risco-país disparou 14%. Um dia antes, a financiadora imobiliária Countrywide Financial - maior empresa norte-americana do setor de hipotecas - havia feito um empréstimo de US$ 11,5 bilhões para enfrentar um problema de liquidez. Dois bancos centrais, o americano Fed e o Boj, do Japão, abriram os cofres e injetaram US$ 20 bilhões nos bancos para garantir a liquidez do sistema. A ação coordenada dos BCs ao longo da crise, embora não tivessem impedido uma forte alta nos spreads das linhas de crédito, foi determinante para evitar um colapso do sistema.
"O erro foi deixar a situação chegar onde chegou, mas depois não havia o que fazer a não ser sair em socorro das instituições e evitar um mal pior", diz Nóbrega, do Itaú. "Faltou muita coisa, um ambiente com boas praticas, e não um sistema baseado apenas na avaliação de risco das agências de rating, isto não se mostrou eficiente." Para Nóbrega, os instrumentos de controles estavam frouxos. "Vínhamos de um ciclo longo de crescimento dos EUA, com juros baixos e excesso de liquidez global e toda vez que ocorre um ciclo longo benigno, os instrumentos de vigilância e controle ficam frouxos, é normal."
Dados da consultoria UpTrend mostram que, desde setembro do ano passado, foram injetados US$ 860 bilhões no sistema financeiro, com linhas de crédito entre US$ 20 e US$ 75 bilhões em leilões. Também foram adotadas medidas para estimular o consumo, com pacote fiscal de US$ 168 bilhões, e mudanças regulatórias na tentativa de definir melhor o papel de cada agente fiscalizador e evitar que o problema se repita. A taxa básica americana sofreu sete cortes consecutivos, indo de 5,25% para 2% ao ano, incluindo uma reunião extraordinária. Outro fato marcante foi a compra do Bear Sterns pelo JP Morgan, pela bagatela de US$ 1 por ação, negócio tutelado pelo Fed americano. Tudo para evitar uma quebradeira de bancos e, principalmente, que o grande mal se estabelecesse e a economia americana entre numa recessão, o que arrastaria inevitavelmente outros mercados. Por enquanto, parece que deu certo.
"A economia está se desacelerando, mas acho que caminha mais para uma queda suave, não vejo um PIB americano negativo", avalia Roberto Padovani, economista-chefe do banco WestLB. Nóbrega, da Itaú Corretora, concorda. "Os reflexos ainda não se materializaram totalmente, mas a economia americana tem se mostrado forte, mais integrada e flexível", diz. Para o Brasil, o cenário de desaceleração global pode não ser tão ruim.
"A desaceleração reduz o preço das commoditires que afetam o desempenho das bolsas, mas este movimento pode ajudar o Brasil a controlar a inflação, o que é positivo", avalia Nóbrega, lembrando que a queda das commodities veio para ficar, colocando o nível dos preços em outro patamar. "Não dá para saber quando este movimento acaba, mas o efeito no Brasil é mais benéfico do que maléfico, faz coro Padovani.
Ao menos no curto prazo, a queda nas commodities que ajuda a política monetária doméstica não colabora em nada com as bolsas. Só este ano, a Bovespa acumula queda de 11,42%. Em Wall Street, o índice Dow Jones cai 11,54% este ano e o S&P 500 recua 11,72% "Acredito que haja uma recuperação suave das bolsas, não vejo que haja espaço para piorar muito", diz Padovani, do WestLB. "O ajuste nos preços das commodities deve perder força e o preço da bolsa, particularmente a brasileira, ficará atrativo."