A volta do medo

segunda-feira, 23 de junho de 2008

O medo voltou ao mercado de ações. Ao redor do mundo, as bolsas caíram com força na semana passada, levando o Índice Bovespa a perder 3,85% no período e 11% no mês . Olhando para a máxima do ano, em 20 de maio, pouco antes de o país receber o segundo grau de investimento, foram quase 9 mil pontos de queda em apenas 30 dias, dos 73.516 para os 64.613 de sexta-feira, ou 12,11%. No ano, o ganho se limita agora a 1,14%.As perdas refletem o temor de que a inflação obrigue os bancos centrais de todo o mundo a subirem seus juros e brecarem as economias, o que afetaria diretamente o desempenho das empresas e de suas ações. Ao mesmo tempo, voltou o receio de que a crise financeira que atingiu os bancos americanos por conta das hipotecas de alto risco, o "subprime", faça novas vítimas. No Brasil, a situação também não é muito melhor diante da alta dos preços, que pode obrigar o Banco Central a subir os juros muito mais do que os analistas esperavam. E juro alto é inimigo do ganho em ações.Essa onda de más notícias, que começou há duas semanas com o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) afirmando que a inflação é preocupante e que, portanto, pode parar de baixar os juros, tornou os investidores estrangeiros e locais mais avessos ao risco. Seguiram-se novas altas do petróleo, para perto dos US$ 140 o barril, a China reajustando os combustíveis e emergentes, como o México, elevando os juros contra a inflação. O resultado foi uma queda generalizada das bolsas, com destaque para a China, que já perde 45% no ano. A Índia perde 28%, enquanto o Índice Standard & Poor's (S&P), da Bolsa de Nova York, perde 10%. A Rússia é exceção por conta da alta do petróleo.A piora dos cenários interno e externo já está fazendo algumas instituições reverem suas estimativas para o mercado brasileiro. É o caso da Fator Administração de Recursos (FAR), que trabalhava com um número perto de 80 mil pontos. "Estamos analisando e provavelmente esse número deve cair um pouco por conta do juro mais alto", diz Roseli Machado, diretora-geral da asset.Segundo ela, a FAR já vinha bastante pessimista desde que o Ibovespa bateu 73.500 pontos. "Vimos que todo o ambiente de inflação e aperto monetário no mundo inteiro ia ter efeito na bolsa, mas o mercado seguia ignorando isso, só agora a ficha caiu", diz Roseli. Para ela, a bolsa ainda pode cair mais, dois ou três mil pontos. "Mas acho também que já estamos chegando perto do fundo do poço", diz. O problema é que a recuperação pode levar mais tempo, quatro ou cinco meses, avalia Roseli. "Há dúvidas sobre quanto podem subir os juros na Europa e novo receio com os bancos americanos, que já estão cotados abaixo dos preços de antes do socorro ao Bear Stearns ter reduzido o medo de quebra de uma instituição."No Safdié Private Banking, a orientação para os investidores é ter cautela, mesmo que a queda da bolsa tenha criado algumas oportunidades de compra, afirma Otávio de Magalhães Coutinho Vieira, diretor de investimentos. "Houve o 'investment grade', mas depois vieram notícias negativas de inflação aqui e no mundo e a situação do crédito nos EUA piorou, com novas perdas", diz. Tudo isso levou os investidores no mundo todo a reduzirem seu apetite pelo risco.A recomendação de Vieira é que o investidor deve procurar não assumir muitos riscos. "O que está barato hoje pode ficar mais barato amanhã, a velocidade da queda da bolsa é bastante grande e pode cair mais", diz.As ações de bancos americanos desandaram nas últimas semanas depois que instituições grandes como o Citigroup anunciaram que as perdas com o "subprime" podem ser maiores do que o previsto, explica Ronaldo Patah, responsável pela área de renda variável da Unibanco Asset Management (UAM). "Não há indicações de risco para grandes instituições nos EUA, mas o mercado está com medo dos bancos regionais, pois alguns podem não aguentar a crise de liquidez", afirma. Com isso, as ações caíram, levando junto os papéis de bancos em outros países também, como o Brasil. E, diferentemente de outras quedas, desta vez não houve um setor que servisse de porto seguro, como foram as commodities e Petrobras e Vale em outras ocasiões.Não é hora para se empolgar com bolsa, pois os sinais que vêm da cena externa são claramente negativos para a renda variável, diz Caio Megale, da Mauá Investimentos. Ele cita o crescimento global menor, a inflação mundial em alta e as conseqüentes pressões sobre os custos como fatores que podem comprimir as margens das empresas. "As commodities sugerem repasses adicionais sobre os preços, seja no aço, seja nos produtos agrícolas por causa dos fertilizantes", afirma.Muito do que o Ibovespa caiu nos últimos pregões reflete a antecipação desse ambiente notadamente mais pessimista, acrescenta Megale. "O que parece certo é que estamos entrando num período de muitos trimestres de aversão a risco, uma situação bem diferente daquela que vimos nos anos anteriores de fartura." Para ele, apesar do ritmo menor da atividade global, a oferta de matérias-primas segue apertada em relação à demanda, um ponto a favor da bolsa brasileira.Depois da primeira elevação das notas de crédito brasileiras pela Standard & Poor's, o Ibovespa experimentou uma rápida escalada, mas o ambiente global se deteriorou rapidamente e os estrangeiros estão fugindo das aplicações de risco no mundo todo, assinala Gilberto de Souza, diretor da Espírito Santo Research. "Inflação de alimentos, preços de energia, 'subprime' com prejuízos aos grandes bancos, nada disso está resolvido", lista. Não por menos, o saldo do capital externo na Bovespa, até o dia 17, estava negativo em R$ 4,45 bilhões no ano. Só em junho, as vendas de ações superaram as compras em R$ 5,21 bilhões.