Aversão ao risco traz jogo de rouba monte

terça-feira, 24 de junho de 2008


Diante de todas as incertezas com relação ao rumo das commodities, da inflação e da taxa de juros no mundo, o investidor está quieto à espera de novos dados que possam dar alguma luz do que poderá acontecer com esses três elementos e, consequentemente, com a economia mundial. Uma parte dessa luz, ou pelo menos um filete dela, pode aparecer amanhã, quando o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) decide o que fará com a taxa de juros do país. Internamente, no mesmo dia, há a apresentação do relatório trimestral de inflação do Banco Central. Esses dois fatos devem dar uma boa idéia para onde irão as taxas de juros dos EUA e do Brasil, sendo que esta última já está em processo de alta.Nesse clima de compasso de espera, os investidores estão totalmente avessos ao risco, levando o mercado a ficar em estado de letargia. Essa é a melhor palavra para definir o mercado ontem. O Índice Bovespa oscilou o dia inteiro sem rumo, encerrando o pregão com uma mísera alta de 0,04%, aos 64.640 pontos. O volume financeiro de R$ 4 bilhões também é um excelente sinal de que, com o cenário bastante nebuloso, o investidor resolveu ficar imóvel, pois qualquer atitude hoje pode representar perdas amanhã, caso a situação se defina de forma desfavorável. Nos últimos meses, o volume médio diário da Bovespa tem oscilado entre R$ 6,5 bilhões e R$ 7 bilhões."O mercado está brincando de rouba monte", diz o estrategista de renda variável para pessoa física da Itaú Corretora, Flávio Conde. "Como não há fluxo novo de recursos, o investidor vende a ação X para comprar a Y e, no dia seguinte, vende a Y para recomprar a X", explica Conde. Ele acredita que o mercado ficará nesse ostracismo enquanto não houver uma definição sobre o destino da política monetária americana e até onde irá a sanha inflacionária brasileira.Nesse jogo de rouba monte, o investidor estrangeiro, no entanto, não está para brincadeira. Por isso, tem aproveitado para vender suas ações e voltar para ativos considerados sem risco, como os títulos do Tesouro americano. No mês, até o dia 18, o saldo líquido (diferença entre compras e vendas) de estrangeiros na Bovespa está negativo em R$ 6,4 bilhões, uma senhora debandada.As projeções dos economistas de grandes bancos internacionais estão contribuindo para esse momento de aversão ao risco. O estrategista de ações da Merrill Lynch, Brian Belski, disse em relatório que o pior ainda está por vir tanto na economia americana quanto no mercado de ações. Esses alertas beiram, inclusive, pedidos de desculpas de quem se mostrou otimista demais nos últimos tempos. O analista do banco Goldman Sachs, David J. Kostin, que em maio recomendou a compra de ações de bancos, disse ontem que a análise se baseava em premissas erradas e que, portanto, o investidor deve reduzir sua exposição em papéis desse setor. Para o diretor de tesouraria de um banco, a conclusão desse fato é preocupante. "A hora que os profissionais de mercado, que, em tese, sabem mais do que os investidores, começam a se mostrar perdidos, é porque a coisa de fato está ficando feia", diz.O dia na Bovespa só não foi pior porque as ações das gigantes Petrobras e Vale seguraram as pontas. As ordinárias (ON, com direito a voto) da petrolífera subiram 1,92% e as preferenciais (PN, sem voto), 1,76%. Já as ONs da mineradora se valorizaram 1,87% e as PNs série A, 1,60%. Para o gestor de renda variável da Infinity Asset Management, George Sanders, essa concentração é preocupante porque os investidores podem estar fazendo operações que consistem na compra desses dois ativos e na venda de contratos de Ibovespa futuro, na Bolsa de Mercadoria e Futuros (BM&F). "Essa compra pode não ser pelos bons fundamentos dessas companhias, portanto, podem virar venda do dia para a noite, apimentando o movimento de baixa do mercado", diz Sanders.Divergência de opiniõesAs ações ON da Agra subiram 31,78% só ontem, com a compra da companhia pela Cyrela. Já as ONs da própria Cyrela caíram 2,49%. Entre os analistas, há divergências se esse negócio é realmente tão "da China" assim para a Agra. Em relatório, o analista da Unibanco Corretora Vladimir Pinto afirma que o negócio é muito desapontador para a Agra. A relação de troca - 0,425 ação da Cyrela para cada ação da Agra -, significa R$ 9,54 para cada papel da Agra, próximo ao preço que era negociado em março e muito abaixo de sua cotação máxima de R$ 16,89. O analista lembra ainda que a operação irá reduzir o potencial de valorização das ações da Agra, que era de R$ 18 para dezembro deste ano. Já para os analistas da Link Investimentos, o prêmio de cerca de 48% sobre as últimas cotações do papel em bolsa é um excelente negócio aos acionistas da Agra, especialmente para aqueles que compraram a ação recentemente.